segunda-feira, 2 de maio de 2011
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“Quando eu estou cantando, não penso. Só fico ali, com os olhos fechados, sentindo e me sentindo bem...” (Janis Joplin)
A cidade é múltipla. E se compõe de outras faces de si mesma, arranjadas como em um mosaico. A cidade se transmuta porque precisamos de outras faces também, nós, os seus habitantes.
É noite. O lugar é quase sempre meio escuro. Mas é possível distinguir os rostos conhecidos. Estamos entre amigos. Muitos reencontros. O som é bastante alto. Os cumprimentos, calorosos. Riso aberto. O evento: show de rock em Colatina. As conhecidas camisas pretas trazem, na maioria, os nomes das bandas que gostamos de ouvir. Nessas noites, a cidade se transmuta e mostra outra face que também é nossa: aquela que precisa gritar para dizer que não somos assim tão iguais. Minha voz também precisa desse grito.
Quando eu estou num show de rock, é como se nada mais houvesse no mundo a fazer, a não ser cantar bem alto e com bastante fúria; é como se não existisse mais nada no mundo para saber, a não ser palavras imperativas contra tudo o que pretende nos padronizar. Quando eu estou num show de rock, não sou eu, é outra. É aquela que nasceu para dar liberdade às palavras da maneira como elas verterem do pensamento; é aquela que nasceu para criar, e não somente repetir; aquela que nasceu para dizer, claramente, e para quem quiser ouvir, o que gosta e o que não gosta, ainda que isso cause constrangimentos para os tais ouvintes. Quando eu estou hipnotizada pelo som pesado, e uma outra se mostra em minhas pupilas dilatadas, eu entendo que o mundo é sim uma guerra fria, mas também pode ser compreensivo e compreendido. Eu encontro outros que entendem essa língua mal traduzida pelos preconceituosos, chamada rock n’ roll.
Sim, quando eu estou lá, na platéia de uma banda de rock, eu canto alto e pulo, braços para cima, punhos cerrados. E eu não sou mais aquela que atravessa a praça municipal, todos os dias, uniforme do trabalho, apressada, os olhos no relógio de pulso. Eu não sou mais aquela que assina o cartão de ponto, mecanicamente, nos horários determinados; e que repete as mesmas tarefas, as mesmas frases, os mesmos sorrisos involuntários de ontem. Não, quando eu estou num bom show de rock, não sou eu, é outra. E ela é mais livre e, talvez, até mais feliz.
O lugar é quase sempre meio escuro. E a maior parte das pessoas usa preto. O riso é fácil. O som, um êxtase. Amigos se reencontram. Rostos conhecidos. Sim, estamos todos nos shows de rock sempre. Sempre procurando a liberdade que não existe, porque na segunda-feira precisaremos voltar ao trabalho e assinaremos nossos cartões de ponto e obedeceremos às ordens dos nossos superiores. Somos múltiplos.
Qual das nossas faces será a face verdadeira? Apenas a beleza do sol não nos basta, nós também queremos a ousadia da noite. Queremos outras cidades dentro da mesma. Porque buscamos novas versões do que já somos.
O lugar é quase sempre meio escuro. É um show de rock, em nossa cidade. Com bandas de nossa cidade, muitas vezes, e platéia fiel sempre. Usamos roupas pretas - uniforme para fugir dos padrões. E, tudo isso poderia parecer meio sombrio aos olhos dos mais assustados. Mas, quando a música começa, vem colorida da poética liberdade de ser, talvez, até mais feliz.
Renata Santos.
Rádio Stay Rock Brazil